
Pedro Pereira
Só ando de moto em 2 locais: na estrada e fora dela!
OPINIÃO
A potência pode ser demais?
Até onde irá a escalada de potência e binário nas motos?
andardemoto.pt @ 17-1-2021 15:38:30 - Pedro Pereira
O tema não é pacífico e trata-se de uma questão que já abordámos mais que uma vez e para a qual não temos resposta, talvez porque não exista uma!
Estarão as motos atuais, sobretudo as mais potentes, ao alcance do comum dos mortais? Apesar de todo o arsenal tecnológico, faz sentido terem tanta potência e binário? Teremos nós capacidade de explorar pelo menos uma parte significativa desses cavalos ou torque? Mais ainda, estaremos a entrar no domínio do ilógico quando uma moto nas suas especificações indica, por exemplo, que tem 200 cv ou 150 nm de binário?
O fascínio da velocidade sempre existiu, sobretudo nas motos e até já falámos nele num artigo do nosso jornalista Rogério Carmo. De uns modestos 45 km/h no final do século XIX, já ultrapassámos os 400 km/h e não faltam no mercado motos que qualquer um de nós pode comprar e que vão até aos 300 km’s reais!
Será isto racional quando os limites na via pública são 120 km/h? A 200 km/h percorrem-se mais de 80 metros por segundo! E por isso há marcas a comercializar automóveis limitados eletronicamente na velocidade máxima. será que o mesmo vai acontecer às motos?
A potência não é (quase) nada sem controlo!
Já se passaram mais de 25 anos desde a célebre campanha da Pirelli com o seu slogan "power is nothing without control". Na foto que acompanhava a mensagem surgia o atleta Carl Lewis, pronto para iniciar a corrida, num piso completamente encharcado e com uns sapatos vermelhos de mulher, com uns saltos enormes! Recordam-se?
A campanha publicitária foi simplesmente genial e ganhou vários prémios, mas mais do que isso mostrou uma verdade intemporal: não basta ser potente ou rápido. Há que ter as melhores condições para ser capaz de usar essa potência ou velocidade ou ela de pouco nos serve, podendo até tornar-se perigosa.
Veja-se, por exemplo, há alguns anos, as motos de GP e de motocross na categoria de 500 cc a 2 tempos, ou as motos do Dakar com quase 1000 cc, todas elas verdadeiros mísseis que necessitavam de muita habilidade e sorte.
Nas últimas décadas a evolução tecnológica tem sido imensa e a electrónica tem chegado a praticamente todos os setores, incluindo as motos!
Sem sistemas como controlo de tração, anti-wheelie, suspensões inteligentes, modos de condução, entre muitos outros, as motos atuais estariam, em muitos casos, bem para lá dos dotes do utilizador comum, onde me incluo, e as estatísticas de sinistralidade nas motos seriam incomparavelmente mais negras que as atuais…
Mesmo as singelas 125 a 4 tempos, limitadas a 11 kw (que podemos fazer a conversão para cv multiplicando por 1,34, ou seja, abaixo dos 15 cv) por causa da categoria A1, poderiam atingir valores muito superiores se não fosse essa limitação imposta legalmente!
Uma moto com um binário de 130 ou 140 Nm, disponível logo às duas 2.000 rpm, praticamente ainda ao ralenti, implica que num arranque mais descuidado o pneu traseiro (gordo, de preferência) tenha sérias dificuldades em lidar com a descarga de potência que recebe e acaba por deixar borracha espalhada pelo alcatrão. E não fora o cérebro eletrônico, era bem capaz de despejar o seu condutor também! Veja-se o caso da Harley que finalmente se rendeu e dotou o seu motor de 114 polegadas cúbicas com controlo de tracção.
Motos capazes de atingir os 100 km/h em menos de 3 segundos, ou os 200 km/h em menos de 7 segundos são reais, e qualquer um as pode comprar e conduzir. Mas entram numa dimensão que podemos definir como paranormal e servem mais como montra tecnológica e massagem ao ego, do que qualquer outra coisa, além de que, imagino eu, poucas vezes vão ter essas capacidades exploradas mesmo em circuito!
Valores de potência e binário mais elevados exigem também um sobredimensionamento de outros componentes, nomeadamente sistemas de travagem, pneus específicos, recurso a materiais mais exóticos, como o magnésio, o carbono ou o titânio e tudo isto representa mais peso, uma maior manutenção e custos inerentes que acabam por se refletir no consumidor final!
O caso flagrante das maxi-trails
Preconizo que a breve prazo comece a haver alguma racionalidade nas nossas escolhas e que os fabricantes percebam isso. A corrida ao armamento “bélico” está a ir por um caminho quase perigoso, como sucede com as big-trails.
São neste momento um segmento com uma pujança enorme, dada a sua versatilidade, potência, comportamento, tecnologia, eficácia na condução, possibilidade de sair do asfalto, companheiras de longas ou curtas viagens... tornando-se na moto de eleição de muitos motociclistas.
Conscientes deste facto, os construtores Europeus BMW, Ducati, Triumph e KTM, rapidamente perceberam que estava aqui um filão. Há que o explorar, até porque esses modelos ultra tecnológicos representam uma montra para os mercados asiáticos onde todos pretendem ter uma cota.
Difícil de explicar é a compra desses modelos por aqueles que não têm capacidade financeira para tal, ou destreza suficiente para as conduzir, ou cujas viagens mais longas vão ser até ao local de trabalho com as saídas do asfalto a serem zero!
A aposta dos construtores tem sido de tal forma persistente que praticamente todos os anos surgem novidades impressionantes, sendo que a mais recente deixou muita gente de boca aberta, incluindo eu próprio!
A Ducati excedeu-se a si própria com a novíssima Multistrada, equipada com um motor V4 que já apresentámos nestas páginas! A concorrência usa motores de 2 ou 3 cilindros e a Ducati vai abandonar o seu clássico bicilíndrico Testastretta, utilizado na anterior Multistrada 1260, para dar lugar a um motor baseado no da superdesportiva Panigale e que vai ganhar a designação de V4 Granturismo!
Regista um valor de potência recorde no segmento: 170 cv! E mesmo o binário mete respeito: 125 Nm!
A principal dúvida que fica no ar é simples: vai seguramente haver quem compre esta moto, como é óbvio, mas farão sentido valores desta ordem numa maxi-trail? O preço elevado, a tecnologia de ponta e as suas performances avassaladoras garantem que, na maior parte do tempo, os utilizadores não vão usar nem metade do potencial, e mesmo quando o quiserem fazer, o aparato tecnológico vai estar omnipresente…castrando uma parte significativa da potência, para a própria segurança de quem conduz!
Ainda há pouco tempo um nosso Leitor comentava, e com alguma razão, que a nossa publicação se tem debruçado muito sobre as motos que já não estão propriamente ao alcance do comum dos mortais, quase “esquecendo” as outras! Como se o mercado se estivesse a extremar entre as baixas cilindradas e as motos que representam o topo da hierarquia em termos de potência, binário, tecnologia… e preço!
Felizmente há sinais que as médias cilindradas estão novamente a despertar. Veja-se o exemplo recente da Triumph, com a Trident 660 e da Aprilia com a 660 que pode ver em pormenor nestas páginas, e que vão garantidamente fazer furor. Mais ainda porque depois certamente vão surgir mais declinações dos mesmos motores.
Resumindo, o mercado, os consumidores e os fabricantes vão-se todos ajustando. Cada um compra o que gosta e/ou pode, o que não invalida que não continuemos a sonhar com o lema olímpico altius, citius, fortius ou seja, mais alto, mais rápido, mais forte, mesmo quando os valores apresentados entram no domínio da pura loucura…
andardemoto.pt @ 17-1-2021 15:38:30 - Pedro Pereira
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